Imagina ter em mãos a missão de criar uma nova versão de um dos heróis mais queridos do mundo? A responsabilidade de suprir as expectativas altíssimas do público que se acostumou com padrões elevados desde o Batman de Nolan eram grandes, mas Matt Reeves não decepcionou e criou um recomeço eficaz na narrativa do herói.
A produção que mais parece com um drama policial dos anos 70, se difere de tudo que já foi visto relacionado ao herói nos cinemas, obtendo sucesso em tudo que se propõe.
Somos apresentados a um Batman sombrio que está em seu segundo ano na função de herói e já fez do traje sua identidade principal, como se Bruce Wayne fosse o seu real disfarce. Tanto que são poucas às vezes em que ele aparece em sua identidade civil, quando isso acontece nos deparamos com um homem visivelmente desconfortável que não gosta de socializar e que se incomoda com a luz do dia.

O herói surge das sombras com frequência, o que reforça o que ele mesmo diz em um trecho narrado: “Eles acham que estou me escondendo nas sombras, mas eu sou as sombras.”
Bruce ainda não superou a morte dos pais, está totalmente imerso na vida de justiceiro noturno e acredita que o legado de seus pais é combater o mal de Gotham. É importante humanizar um herói como Batman, afinal, Bruce Wayne é uma pessoa com problemas, mas acima de tudo é um homem que busca ser melhor, e que realmente se importa com Gotham City.
Há pouco espaço para o alívio cômico, temos aqui um drama que não desfoca sua atenção do principal objetivo que é a resolução do caso central e a vulnerabilidade de um herói entregue a depressão que vê na violência uma ferramenta contra a injustiça.
O filme o força a se questionar e confrontar o seu proposito frequentemente, será que Gotham, mesmo com tanto violência e corrupção precisa realmente de um herói como ele? A resposta vem a seguir, Batman sempre foi um detetive, mas nunca o vimos fiel à função em outros filmes, aqui ele é peça chave no início meio e fim de uma investigação policial.
Junto a James Gordon, o único policial que confia, ele desvenda os assassinatos brutais de um novo psicopata, o Charada. O vilão vivido por um Paul Dano profundamente perturbado e viciado em enigmas, quer fazer justiça com as próprias mãos e começa a caçar as frutas podres dentre o poder de Gotham.
Vale reforçar a performance incrível de Dano que ao interpretar um homem inteligente em uma mente de psicopatia se assemelha ao brilhante e inesquecível Heath ledger como Coringa. Destaque para a cena cara a cara entre vilão e herói que traz a tona os desejos mais profundos de Charada para sua detestável Gotham.

Durante a investigação, Batman conhece Selina Kylie – que ainda não se autodenomina como Mulher Gato – uma mulher que não tem a sedução como sua principal característica. Ela carrega uma ferida antiga que a torna uma sobrevivente que, caso seja preciso, ultrapassará os limites. Responsável por abrir os olhos de Batman para ver Gotham City além do seu umbigo, Selina cria com o herói um laço de parceria, flerte e admiração.
É notável o quanto o ator é eficaz para a narrativa que Matt Reeves constrói, prova disso é como nos primeiros minutos de filme a câmera se demora a mostrar o rosto de Pattinson como Bruce. Quando isso acontece fica claro que o ator se encaixa perfeitamente no papel e quem duvidava de sua capacidade – mesmo Pattinson tendo provado há muito tempo seu talento – precisa dar o braço a torcer, é o melhor Batman do cinema!
O poder das cenas são transmitidas através da trilha sonora intensa de Michael Giacchino misturada com a fotografia de Greig Fraser que reforça a cor vermelha em vários momentos para demonstrar perigo, tensão e até esperança, sem perder a estética incrivelmente bonita.
Já as cenas de ação são precisas e envolventes, destaque para a perseguição de carro que termina com um acidente em uma tomada de cabeça para baixo representando toda a de fúria do herói e que literalmente nos faz querer aplaudir durante a exibição.
Escolhas de Reeves que soube dosar tudo isso sem parecer apelativo. O diretor deixa claro sua vontade em trazer uma sequência do filme com um desfecho que completa a trama, mas abre brecha para um possível futuro – sem precisar de uma longa cena pós-créditos para isso.
Afinal, Batman conheceu violões clássicos como Pinguim, que mesmo sendo protagonista de uma das melhores cenas de ação do filme serve apenas como alívio cômico e é coadjuvante da trama principal, Mulher Gato, que parece não ter acabado sua trajetória e possivelmente Charada, que deve retornar ao com forte companhia.
Andy Serkis como Alfred pouco aparece, mas tem forte importância na trajetória do herói neste enredo, ele representa o legado Wayne, já que é o único laço que une Bruce dos pais. O mordomo e amigo usa de suas habilidades para ajudar o bilionário, enquanto o alerta sobre o perigo de dar as costas a identidade civil e abandonar as empresas Wayne. Ele é o pilar que faz o protagonista se manter são em seu disfarce.

Jeffrey Wright é o parceiro policial de Batman, ele não pensa duas vezes antes de atualiza-lo sobre o desandar da investigação e mesmo com a pressão de seus superiores, está disposto a pôr a mão no fogo pelo herói.
Por fim, Batman se diferencia de outros filmes de heróis, pois causa comoção e impacta no silêncio. Suas três horas de duração mantém a plateia presa na tela do início ao fim. Presenciar a construção de um herói tão conhecido em nuances tão verdadeiras é inédito. Por essas e outras que é importante reforçar, Batman merece ser contemplado nos cinemas.