Inspirado na peça Greta Garbo, Quem Diria, Acabou no Irajá, de Fernando Melo, o filme ‘Greta’, Vencedor dos prêmios de melhor longa-metragem, melhor direção e melhor ator na 29º edição Cine Ceará, o drama LGBTQA+, protagonizado por Marco Nanini, foca na amizade entre um enfermeiro gay e um artista transexual com graves problemas de saúde. Nanini dá vida a Pedro, um enfermeiro de 70 anos que trabalha em um hospital público de Fortaleza, cujo a melhor amiga é Daniela (Denise Weinberg). Quando ela precisa ser internada, mas não consegue um leito disponível, Pedro sequestra um paciente recém chegado, que está se escondendo da polícia por ter esfaqueado um homem até a morte, e o abriga em sua casa para dar lugar a amiga no hospital.

Difícil começar por qualquer outro assunto que não os tão discutidos e atuais abordados em Greta. Amor na terceira idade, relacionamentos homo afetivos e transsexualidade são os principais temas retratados no filme, mas, claro, que não é só isso. Logo na primeira cena, vemos uma ambulância resgatando uma das personagens. Já no hospital, são apresentados Pedro (Marco Nanini) e sua amiga Daniela. O fato de Daniela ser transsexual já é estabelecido e bem trabalhado aqui, junto com a dificuldade em encontrar um leito na enfermaria feminina. O diagnóstico terminal da amiga já estabelecido início do enredo principal do longa, o tom dos próximos dias de Pedro e do decorrer do longa.
Acompanhamos toda a trajetória através do ponto de vista do protagonista. Ângulos de câmera, fotografia e a própria montagem dos cenários nos conduzem a estabelecer essa relação muito profunda e talvez seja nessas escolhas que parte da história fique vaga ou distante dos coadjuvantes. Há muita hostilidade entre todas as personagens nas interações com Pedro. A própria Daniela tem um único momento de afeto com o protagonista, em um trecho muito tardio do filme. Isso, talvez, justifique o impacto da cena e, mais a frente, o desfecho. No entanto, essa carga forte no drama e isolamento de Pedro pode ficar cansativo. Há quase uma total ausência de alívio na história, mesmo nas cenas de sexo, ainda que o maior conflito seja a confiança mútua no relacionamento de Pedro e Jean.

No terço final do longa, o ritmo dos acontecimentos aceleram e, embora as cenas mais chocantes se desenrolam nessa parte, isso colabora para interações mais fluídas. São nesses momentos catárticos que vemos atuações excelentes dos três principais atores. Raras são às vezes que vemos tamanho talento e sentimos a empatia como no longo take final. Uma sequência simples, sem diálogos, mas de emoção e intimidade impressionante.
Greta não é um filme de fácil digestão. Os diálogos são hostis, as sequências são extensas e há momentos de “barriga” no roteiro. Porém, assuntos atuais explorados com excelência, boas atuações e um desfecho surpreendente e de livre interpretação premiam o espectador com uma história impactante.
O diretor e roteirista cearense Armando Praça não escreveu o filme para ser político, embora reconheça o cerne do roteiro na realidade atual. Nanini elogia roteiro e enaltece a personagem principal, ele o ve como um marginalizado na terceira idade. Fala também do cenário atual, onde os filmes serão censurados e “essa é a pena que temos que cumprir no governo atual” diz o protagonista.
Armando preferiu não seguir pelo lado cômico, igual a obra original: “Quando vi uma montagem da peça, não me senti confortável em ver as pessoas rindo. Achei que isso estava mal colocado na leitura atual. Para mim era importante a gente olhar os personagens com empatia, solidariedade e retratar uma vida vivida com dignidade“ , disse durante coletiva de imprensa.
Ele também defende que a criação de conteúdo não pode mudar por causa de censura. O criador deve buscar novas formas de financiamento, se necessário, e que principalmente, devemos manter nossa busca por conteúdos em que acreditamos. Sobre amor na terceira idade, o diretor comenta que a mudança da comédia para o drama, na adaptação do texto, foi fundamental para que o interesse em desenvolver a história despertar-se. O fato da personagem principal buscar um amor, mesmo com as dificuldades sociais da idade, é lindo, não cômico.
A solidão é uma das grandes protagonistas da trama, enquanto aprende a ser sozinho, Pedro repete a si mesmo tempo todo: “I want to be alone” (eu quero ficar só - na tradução para o português), frase eternizada por Greta Garbo no filme “Grande Hotel”. “…pra ele [Pedro] é quase um mantra falar isso. Uma oração. É aquela ilusão da estrela americana” disse na coletiva de imprensa em São Paulo.
No quesito técnico, Armando Praça ressalta que a estética do filme foi definida, com câmera estática, muitos planos fechados, espelhos, para que o espectador vivesse a história através da visão de Pedro.