Escrito por: Bianca de Oliveira Pires

O documentário cearense dirigido por Émerson Maranhão acompanha a rotina de 4 pessoas trans: Érika que é professora, Samila, uma funcionária pública, Caio José que é paramédico e Kaio Lemos, um pesquisador universitário. Além de Mara, que é jornalista e mãe de uma adolescente trans.

A perspectiva aqui, é mostrar pessoas trans que não estão dentro do estereótipo de marginalização, que é como geralmente vemos elas serem tratadas, muitas vezes de maneira pejorativa e sensacionalista.

Desde o início, o longa mostra uma lente muito sensível para tratar do assunto, seja pelos tópicos que os entrevistados dissertam ou até mesmo pela própria fotografia do documentário, mais esmaecida. Vemos as histórias de como foi a trajetória de descoberta deles como pessoa trans, mostrando que não há uma “regra”, e que nem sempre a pessoa já sabe desde pequena, pois cada um tem seu processo. Também acompanhamos bastante a relação dos entrevistados com suas famílias e de como foi, e em muitos casos ainda continuam sendo, esse processo de aceitação para eles.

 Além disso, também é discutido sobre a militância de cada um, já que muitos estão envolvidos em movimentos da causa trans. E de como eles lidam com o preconceito no ambiente de trabalho e também em ambientes religiosos, já que a família da maioria dos entrevistados é de origem cristã.

Crítica: 'Transversais' é filme que transpira resistência política

Foi bem interessante ter visão dessa parte religiosa a partir do depoimento do Kaio Lemos, que é do candomblé, já que quando se fala sobre a questão LGBTQ+ e as religiões, geralmente focam apenas no cristianismo. Kaio explica que por mais que ela seja uma religião que tem como base a ação contra os preconceitos, o candomblé (assim como todas as outras religiões) ainda é muito apegado à questão biológica do corpo humano. Portanto, ele se sente acolhido, porém nem sempre a questão de ser uma pessoa trans é bem entendida por todos.

O documentário poderia ter se beneficiado mais se trouxesse outras perspectivas que não são muito comentadas, como essa que citei acima. Porém, ele acaba deixando de lado partes que seriam mais questionadoras e conflituosas. Não discutindo muito até mesmo sobre a violência física sofrida pelas pessoas trans. Eles comentam sobre o caso da Dandara (que foi espancada e executada a tiros, em fevereiro de 2017 em Fortaleza) e abrem o documentário com a frase que uma pessoa trans foi morta a cada 2 dias no Brasil em 2020, mas não se aprofundam muito mais nisso.

Porém, vejo que todo filme que seja informativo sobre a causa LGBTQ+ tem seu mérito, ainda mais sendo feito durante um Governo que é contra o investimento público em produções com essa temática, pois: “É um dinheiro jogado fora. Não tem cabimento fazer um filme com esse tema”. Portanto, por mais que ele acabe trazendo discussões que já são bem conhecidas por muitas pessoas mais atentas às causas LGBTQ+, ele traz uma leveza que é difícil de ver se tratando do tema. E que acaba sendo importante para mostrar que ser trans não é só dor e violência, mas também é acolhimento, luta coletiva e vitórias mesmo nas adversidades.

Filme visto na 45º Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2021.